Como e quanto cobra uma influenciadora de moda e beleza

Como e quanto cobra uma influenciadora de moda e beleza
27.10.2022

O número de seguidores é apenas um dos critérios para fazer o cálculo de um publi. Conversamos com agentes e influencers que detalham os fatores considerados na precificação dos conteúdos hoje

Antes mesmo do lançamento do Instagram em 2010, a então blogueira Lelê Saddi lembra que fez um post no seu blog sobre um anel da marca de joias de uma amiga para ajudá-la. Logo depois, viu a mágica acontecer. “Ela me ligou e pediu para deletar porque vendeu tudo e não tinha mais estoque. Nesse dia, vi que existia de fato um potencial de poder de convencimento de vendas”, comenta a paulistana, que faz parte de um grupo que participou do boom das influenciadoras digitais, que até então ainda não tinha esse nome. Hoje, ela integra o time da HighFY, focada no agenciamento de carreira de talentos já posicionados. A empresa é comandada por Fernando Bento, com quem Lelê fundou a agência de comunicação Pop Comm, há oito anos, que integra um núcleo de nano (até 10 mil seguidores) e micro (até 100 mil seguidores) influencers.

Assim como Lelê, a carioca Thereza Chammas, à frente do Fashionismo desde 2008, foi uma das primeiras a surgir nesse mercado e vive há 12 anos exclusivamente dele, tendo deixado de lado a profissão de arquiteta, em 2010, para se dedicar integralmente a de blogueira. “Foi justamente a quase ingenuidade que fez-se o boom das blogueiras e que, arrisco a dizer, foi o segmento pioneiro em produzir conteúdo de forma popular – e com retorno financeiro – na década retrasada. Na época, descobri a necessidade de se abrir uma empresa, negociar com marcas, emitir notas.”

Juliana Montesanti, que fundou a agência Coolab em 2018, também viu o mercado de influência digital nascer e crescer. “Quando o Instagram surgiu ninguém tinha pensando que isso poderia ser um espaço comercial – revistas, marcas e influencers, que naquela época eram as blogueiras dividindo sobre suas vidas sem uma grande pretensão comercial”, acrescenta ela, que hoje tem no seu portfólio de clientes Camila Coelho, mais uma precursora que entrou para a lista dos Top Creator da Forbes americana, além de artistas como a atriz Bruna Marquezine.

Mas se há mais de 10 anos os conteúdos eram feitos de forma espontânea (com uma câmera Cybershot, como lembra Juliana) e sem muita intenção de ganhar dinheiro, o mercado vem sendo profissionalizado, é altamente rentável e já soma mais de 500 mil pessoas no Brasil (considerando aqueles que têm, pelo menos, 10 mil seguidores), segundo pesquisa da Nielsen deste ano. Se antes as marcas tinham certa resistência em contratar influenciadores digitais, como recorda Fernando, hoje ele diz que um post de uma influencer grande de moda, beleza e lifestyle que se comunica com o segmento de luxo pode custar, em média, R$ 50 mil reais.

E quais seriam os critérios para chegar ao valor? Muitos. Apesar de existirem preços praticados em mercado, o valor de um publi não é apenas determinado pelo número de seguidores. A seguir, especialistas explicam os fatores considerados para a precificação.

Preço fixo X variável

A resposta dos especialistas para chegar ao valor final de um publi é clara: esse é um trabalho individual e não existe uma fórmula. “Os valores de propostas são sempre calculados por projeto e escopo. Varia muito conforme o trabalho e a pessoa”, afirma Taciana Veloso, co-fundadora da Index, que faz estratégia de posicionamento, comunicação, PR e gestão de negócios. “Os principais fatores são quem é a pessoa, o que ela representa, qual valor ela gera para a marca parceira se associando a ela. Um outro fator importante é a volumetria, quanto tempo e em que formatos ela vai trabalhar aquela marca”, completa a empresária, que entre os 20 nomes que atende estão Silvia Braz e Thássia Naves.

Existe sim uma tabela de preços para cobrar um post, que é muito variável. Juliana, da Coolab, diz que o valor mais baixo de uma série de stories para um micro influenciador (com 50 mil seguidores) é, em média, R$4 mil, podendo chegar a R$150 mil para aqueles na casa de milhões. Mas os critérios vão muito além dos followers. “Também importa para o cliente porque ele consegue se comunicar com mais gente. Temos uma tabela pré-fixada todo começo do ano, mas fazemos uma breve avaliação do histórico do influenciador: o quanto está avaliado no mercado, o quanto acreditamos que conseguimos tornar o nome mais forte com trabalho de PR… Mas temos casos de pessoas que têm 150 mil seguidores e cobram o publi mais caro do que aqueles que têm 600 mil.” Fernando concorda. “O número de seguidores é um dos fatores, mas não o mais importante. É muito mais sobre o nicho que a influenciadora conversa, a credibilidade, os valores que passa para a marca.”

Já Thereza, que há 6 anos saiu de uma agência para cuidar ela mesma dos seus negócios ao lado do marido, acredita que muitos clientes ainda veem a quantidade de followers como fundamental, e lamenta por isso. “Hoje em dia existem outras métricas de engajamento mais relevantes e que são deixadas de lado em prol do número de seguidores. E números esses que muitas vezes são inflados por compra de seguidores, prática antiética e mais comum que se imagina.”

Para além de curtidas e comentários, Juliana explica que é importante para o cliente o quanto uma influenciadora consegue se comunicar, de fato, com o consumidor final. Ela comenta um caso quando Victoria Yamagata, micro influenciadora que costuma falar sobre beleza, fez um review espontâneo de uma escova modeladora, disparando as buscas pelo produto no Google na época. “O cliente entende o quanto ela conseguiu reverberar aquele produto dentro de uma comunidade que é fiel a ela. É mais do o que ‘like’, que é uma métrica de vaidade”, afirma. “Nesse caso, principalmente quando vamos trabalhar no segmento de cabelo, conseguimos apresentar com consistência porque ela custa um valor.”O envolvimento genuíno do influenciador com a marca é um critério muito importante para Thereza. “É mostrar para o cliente que aquela história pode dar liga, que tem conexão e função para muito além de um combo de ‘1 feed + 3 stories’. Os clientes mais atentos buscam encontrar influenciadores que têm conexão legítima com a marca, que já falaram anteriormente de forma espontânea e que seus seguidores sabem dessa relação. Isso corrobora muito para o fato das comunidades estarem em alta, menos número e mais conversa. No final das contas, o cliente quer números, mas também experiências bem-sucedidas entre marcas e influenciadores.”

É preciso considerar também que, em muitos casos, o influenciador fecha negócio a longo prazo, garantindo faturamento por meses e mais estabilidade. “A partir de um estágio da carreira, os contratos são anuais ou semestrais. Sugerimos, no mínimo, 6 meses. Até porque uma relação bacana não é construída do dia para a noite”, dizem Lelê e Fernando. “Mas existe o pontual, que é uma forma da marca começar um relacionamento com um influenciador.”

Especialidade e exclusividade agregam valor

Fátima Pissarra

Conhecimento sobre uma área torna o preço mais caro, confirma Fátima Pissarra, CEO da Mynd e autora do livro “Profissão Influencer: Como Fazer Sucesso Dentro e Fora da Internet”. Entre seus 450 clientes estão grandes nomes da música, como Luiza Sonza e Pabllo Vittar, mas também um time de beleza de peso, incluindo Mari Maria, que integra o nono lugar na lista de influenciadores de beleza mais bem pagos de 2022, Nah Cardoso e Bruna Tavares – só para citar algumas. “Beleza, cada vez mais, não é sobre número de seguidores, mas sim sobre especialidade. Quem quer uma venda mais efetiva, busca um influenciador mais nichado e menor. Por isso, quando são marcas de beleza contratando especialistas, cobra-se mais caro”, explica a CEO, acrescentando que uma influenciadora de beleza com cerca de 300 mil seguidores cobra, em média, 15 mil um post, mas, novamente, esse valor pode ser variável.

Fernando endossa a lógica. “Se é uma influenciadora fitness, por exemplo, você sabe com quem ela conversa. As marcas nichadas pagam mais do que para uma pessoa que tem 10 milhões de seguidores e está em uma novela. Ela conversa sim com o público, mas você não consegue mensurar quanto do público.” Aqueles que têm um grande número de seguidores funcionam para casos que a marca quer chegar em espaços não alcançados antes, acredita Fátima.

A empresária também segue o pensamento que, se for uma marca que irá dar mais credibilidade à pessoa, “puxando sua imagem para cima” e atraindo mais trabalhos, o valor pode ser reduzido para fechar negócio.

Exclusividade também altera o preço, assim como o posicionamento. “O valor aumenta porque acontece um bloqueio em que o influenciador não pode trabalhar com nenhuma outra marca daquele segmento”, afirmam Fernando e Lelê. Eles dizem que o mesmo acontece quando a pessoa prefere trabalhar com poucas clientes, priorizando mais qualidade e menos quantidade. “É preciso pensar no influenciador como uma marca vendendo seus produtos, que são seus conteúdos. Por ser um trabalho tão único, é muito difícil colocar todo mundo no mesmo valor. É um mercado recente, então é natural que os formatos, regras e o jeito de trabalhar sejam pensados e concretizados ao longo do tempo”, acredita a dupla.

Superprodução

Se antes os posts eram feitos de forma despretensiosa, sem um grande cuidado com a imagem, hoje os publis muitas vezes exigem uma produção mais elaborada, que requer até contratação de uma equipe, o que também pode ser adicionado no cálculo. “As marcas demandam um material que tem a mesma qualidade de uma campanha na TV ou revista. Não é mais uma foto feita no celular. Então existe necessidade de fotógrafo, maquiador, roteirista, videomaker… Isso fez com que a entrega se torne cada vez mais robusta e cara. Os preços aumentaram porque o mercado começou a exigir a profissionalização do conteúdo”, diz Juliana.

Thereza, que segue produzindo conteúdos também para o seu site além do Instagram, concorda ao dizer que os valores são muito diferentes daqueles praticados na era dos blogs, quando o foco era o texto. “Há um envolvimento muito maior de formatos de mídias e entregas que vão além do texto: foto, vídeo, edição. É praticamente uma campanha 360 que o produtor de conteúdo entrega para o cliente.”

Lucro para além do publi

É certo que hoje é possível ganhar e viver (muito bem, vale dizer) financeiramente do mercado de influência. Mas muitas influenciadoras usam sua visibilidade, credibilidade, poder de vendas e base de fãs para lançar um negócio próprio, que se torna mais uma fonte de lucro. É o caso de Camila Coelho, que comanda uma marca de moda que leva seu nome e a de beleza Elaluz, assim como Bruna Tavares, que tem uma de maquiagem.

Os especialistas enxergam esse movimento como interessante. “É inteligente dar longa vida a esse negócio que é a influência. Até porque não sabemos como esse mercado será daqui 10, 15 anos, se esse conteúdo produzido hoje ainda vai fazer sentido”, acredita Montesanti. “Acho sempre importante pensar em linhas de negócio além de publicidade. Até para ter mais longevidade”, complementa Fátima. Mas é preciso cuidado: empreender pode ser bom para aqueles que já estão posicionados. “A maioria das pessoas que abriram marcas estão há bastante tempo no digital, construíram uma carreira, uma reputação, uma consistência com a sua audiência e já tinham força suficiente para isso”, ressalta Montesanti.

Para além de uma marca, Fátima também vê a afiliação como uma ferramenta para rentabilizar, que é, basicamente, ganhar comissão (de 10 a 20%) em cima da venda de produtos. Entre os perfis que trabalham desta forma, ela cita @mildicaseuma e @peleequilibrada, ambos com mais de 500 mil seguidores. “Suas contas no Instagram são seus salões de beleza, suas lojas de vender produto, como se fosse físico. É sua ‘Ikesaki'”, diz, se referindo à famosa loja de cosméticos. “O influenciador precisa ter várias linhas de negócios, para não depender só da publicidade, da marca gostar dele, do seu conteúdo, sendo que já tem uma base de fãs”, opina ela, que criou na Mynd a Banca Beauty, com um time de 17 influenciadoras de beleza, cujos conteúdos são vendidos em combo.

Juliana comenta ainda sobre a participação variável sobre as vendas, quando além da publicidade o influenciador retém uma porcentagem do valor vendido do produto, que é um formato que costuma trabalhar em determinados nichos e no qual acredita para o futuro.

Disparidade salarial

Em uma matéria divulgada em março do ano passado pela Bloomberg, influenciadores negros relataram uma disparidade salarial em relação aos brancos. É o caso de Sydnee McRae (@skaibeauty no TikTok), que durante o lockdown viralizou na rede social ao criar uma coreografia da música Captain Hook, de Megan Thee Stallion. McRae começou a ganhar milhares de seguidores (hoje já são 1 milhão) e logo músicos e gravadoras entraram em contato para que ela promovesse singles pelo valor médio de $500 por dança.

Para divulgar a música Out of Love do rapper Lil Tecca, a Universal Music Group pagou $700 para McRae, que ficou empolgada quando viu a estrela do TikTok Addison Rae Easterling reproduzir sua dança. O que McRae soube depois pelo seu empresário, porém, é que Easterling, que é branca, também foi contratada para fazer os passos, mas que ganhou milhares de dólares para isso. “Estou criando a arte, estou dando a você a arte, sem mim não haveria arte. Mas eu não recebo o mesmo respeito, a mesma quantidade que esses criadores brancos recebem”, desabafou.

A apresentadora e influenciadora Cris Guterres já passou por um episódio como esse, como contou em entrevista à editora digital Laís Franklin. “O mercado enxerga a diversidade como uma tendência e não como o poder transformador de uma sociedade. Teve uma vez que eu ganhei 30% do valor que pagaram para outras influenciadoras brancas pelo mesmo serviço prestado. Por isso, eu converso com outras produtoras de conteúdo que estão sendo cotadas para o mesmo trabalho que eu e pergunto quanto elas estão cobrando”, afirma.

“É um cenário muito preocupante e cabe também às pessoas que estão liderando essas mesas de negociação, no caso intervenientes, empresários e agentes, conseguirem peitar e se posicionar diante dessas diferenças salariais”, comenta a influenciadora carioca Luiza Brasil, que há 15 anos atua no mercado de comunicação – tanto nos bastidores quanto na linha de frente como figura pública, produzindo conteúdos diariamente para mais de 125 mil seguidores por meio do Instagram @mequetrefismos.

Luiza, que recentemente lançou o livro “Caixa Preta”, também já sentiu na pele. “Me vi sentando em mesas e me relacionando em squads com pessoas que não têm o repertório de trabalho que eu construí para me tornar uma influenciadora. Por muito menos ganham muito mais. Eu consigo visualizar que a minha chegada demorou um pouco mais do que para muita gente que não tinha na régua o fator ser negro.”

Com objetivo de incentivar a produção de conteúdo feita por pessoas negras e promover mais diversidade no mercado de influência, o Google, em parceria com a Creators LLC – startup que conecta criadores de conteúdo a empresas –, lançou em setembro o “Black Creator Program”. A iniciativa selecionou 100 produtores de conteúdo negros no início de carreira, que estão sendo capacitados ao receber mentoria profissional para criar o próprio site e gerenciar sua presença na web. Além disso, eles também aprenderão a usar as melhores ferramentas para monetizar e definir métricas de sucesso, além de receber um apoio financeiro.

Um mercado aquecido e valorizado

Nos últimos dois anos, o mercado de influência foi muito acelerado pela pandemia, principalmente por causa das mudanças na forma de comunicação das marcas e no consumo dos clientes. Se antes as pessoas tinham o hábito de comprar produtos de beleza básicos na farmácia, como shampoo e condicionador, passaram a adquirir online. “O celular virou a única forma de comunicação e aconteceu através dos influenciadores”, ressalta Fátima, acrescentado que, com a alta demanda, os preços dos seus agenciados dobraram, assim como também perceberam Fernando e Lelê.

“Foi a mudança na forma de consumir que fez com que isso acontecesse e, claro, todas as limitações da época. As marcas não tinham como gravar um comercial de televisão, por exemplo. A verba do mercado publicitário se deslocou e as influenciadoras viraram peças-chaves para ajudar a vender e posicionar as marcas durante um período conturbado. A demanda não baixou desde então”, conclui a dupla de empresários.

Taciana também acredita que, em termos de precificação, o trabalho do influenciador vem sendo valorizado pelo “enorme poder de conexão com o público, de formar opinião, transformar marcas, gerar valor e construir reputação”. E deixa um recado importante ao ressaltar: “Como tudo na vida, precisa ser feito com muita responsabilidade, valores, alinhado com o espírito do tempo e sempre buscando inovar, com ousadia e originalidade.”

Por Paula Mello


Este artigo foi originalmente publicado pela/o VOGUE no dia 27/10/2022, conforme link: vogue.globo.com